segunda-feira, novembro 30, 2009

SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA DO FAROL DA ILHA DA BERLENGA

Por: Fernando Engenheiro
Os pioneiros da navegação muito cedo verificaram que velejar à noite era uma perigosa aventura.
Naufrágios, barcos encalhados, tripulações afogadas e cargas perdidas eram acidentes que ocorriam com frequência, quase sempre causados pela escuridão, que iludia os navegantes levando-os a se aproximar demais da costa.
Para evitar os equívocos, que resultavam em tragédias, só havia uma solução: iluminação. E, como era impraticável levar a luz ao mar, o recurso era mantê-lo mesmo em terra.
Desde os tempos mais remotos que os navegantes procuravam assinalar o relevo litorâneo por meio de fogueiras, o que se transformou em praxe para aqueles viajantes.
Só mais tarde, mas muito antes da nossa era, foi projectada e construída, diante da cidade de Alexandria, no Egipto, uma portentosa obra que sobrepujou tudo o que até então se conhecia no que respeita à sinalização costeira.
Situada na pequena ilha de Pharos (daí a origem da palavra “farol”), a imensa torre erguia-se a 120 metros de altura. Celebrizada como uma das “sete maravilhas do mundo antigo”, essa grandiosa torre de Alexandria foi o primeiro grande farol da história. Um terramoto derrubou-o no século XIV.
Hoje o número de faróis de navegação existentes no mundo é enorme.
No nosso País foi a partir de meados do século XVIII, na época do primeiro ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, que a criação desses sinais pela costa tiveram o seu maior desenvolvimento, pois que até então estavam dispersos por confrarias marítimas e conventos.
Foi pelo Alvará Pombalino de 1758 que os faróis passaram a ser uma organização oficial, atribuída à Junta do Comércio.
Este Alvará manda construir seis faróis para guia da navegação da costa, distribuídos por zonas diversas, e a Ilha da Berlenga - a ilha maior do arquipélago das Berlengas, a Berlenga Grande - foi contemplada naquele documento.
O Estado, com a melhor das boas intenções, fez tudo quanto estava ao seu alcance de modo a que os naufrágios fossem mais reduzidos graças àqueles padrões de apoio à navegação. Foram, em princípio, empregadas velas de sebo como fontes de luz. Mas estas tinham o inconveniente de produzir pouca claridade, de maneira que era preciso usar uma porção delas para conseguir um foco luminoso razoável. Em vista disso o raio de alcance dos faróis na época era muito reduzido. Mesmo assim tardou anos a sua substituição.
Anos depois, pelo Decreto de 12/12/1836, procedeu-se à construção de um novo farol na ilha em substituição do anterior ali existente. Foi encarregado do projecto para a sua edificação o Engenheiro Gaudêncio Fontana, ao serviço de Sua Majestade a Rainha D. Maria II, reinante na época.
A Câmara Municipal deu todo o apoio à obra, pondo à disposição a pedreira existente para dela ser extraída toda a pedra que fosse necessária, incluindo a destinada às cantarias, conforme deliberação tomada em sessão camarária de 18/6/1840. As obras foram iniciadas em 1839 e concluídas em finais de 1840, tendo o Farol iniciado o seu funcionamento em 1841. Todo o processo foi conduzido sob a fiscalização geral das Alfândegas do Reino.
É de salientar aqui José Maria Lopes Carneiro, do Conselho de Sua Majestade, o qual muito concorreu para esta obra de geral utilidade pública. O Ministério, que tinha debaixo da sua orientação os Serviços Gerais dos Faróis, quis honrar D. Fernando de Saxe-Coburgo-Gota (D. Fernando II), segundo marido de D. Maria II, dando àquele Farol a denominação de "Duque de Bragança", nome que oficialmente conservou até ao nossos dias.
A sua torre quadrangular foi construída em alvenaria, com cunhais de cantaria, tendo na parte superior uma varanda de cantaria que a eleva a 29,22 metros, e a 114 metros de altura sobre o nível do mar.
Dotada de um aparelho catóptrico de rotação, que se manteve até 1897, sendo o sistema iluminante inicial constituído por dezasseis candeeiros de Argan com reflectores parabólicos dispostos todos na árvore em um mesmo plano, e em quatro ordens horizontais de quatro candeeiros cada um.
Avistava-se, até l865, a uma distância de 20 milhas, em boas condições atmosféricas. A luz era branca, de eclipses de 10 segundos, de três em três minutos.
Para bom andamento destes serviços foram contratados pela Alfândega Grande de Lisboa os primeiros guardas especializados: Luís António e José Epifânio de Carvalho, cujos vencimentos eram pagos por aquela Entidade.
Por falta de condições para o bom funcionamento dos serviços, foram construídas casas anexas ao farol em 1851, 1858 e 1860, destinando-se esta última a depósito de azeite, que era o combustível usado nos candeeiros.
Em 1897 o aparelho lenticular foi substituído por uma óptica Hiper-Radiante (isto é, com 1330 m/m de distância focal) que lhe conferia um alcance luminoso não inferior a 30 milhas, em estado médio de transferência atmosférica.
Ainda antes da sede do Concelho estar electrificada, o que só ocorreu a 10/7/1930, já o Farol da Berlenga gozava desse privilégio desde 1926.
Mais tarde, correspondendo à evolução dos tempos, foi ali instalado um Rádio-Farol, que em 1985 foi integralmente automatizado, retirando-se a óptica e instalando-se em sua substituição um bloco rotativo constituído por lâmpadas de halogéneo montadas em ópticas seladas providas de reflectores parabólicos (ou seja um aparelho PRB-21).
Este conjunto é alimentado por grupos electrogéneos e está apto a funcionar sem a presença de faroleiros no local; dispondo de vários automatismos para o efeito, embora para a sua boa manutenção se mantenham ali sempre dois homens ao serviço, que são rendidos de 6 em 6 dias. O seu alcance luminoso, em condições médias de transferência, é de 27 milhas, sendo a sua rotação de 20 segundos e de 3 relâmpagos brancos.
Com a integração automática de todo o equipamento do Farol, ocorrida na década de 80, tudo passou a ser mais fácil para os seus trabalhadores. Até ali o seu quadro era constituído por 7 faroleiros, em serviço permanente, escalonados por "quartos" como na navegação, tendo como chefe, quase sempre, um sargento da Marinha. Trabalhavam oito horas e descansavam outras oito. No tempo que lhes sobrava adaptavam-se a todos os serviços como sendo serralheiros, mecânicos, electricistas, telegrafistas, motoristas, carregadores, astrónomos, observadores e, ao cabo, faroleiros. Sentiam-se apoiados com as suas famílias que permaneciam com residência fixa juntamente com eles, o que lhes dava um ânimo especial para que a solidão muitas vezes lhes passasse ao lado.
Era como que uma pequena aldeia, com as suas oito casas de habitação, suas oficinas, suas casas de motores, sua central eléctrica e seus geradores de sonoridade - a sereia dos temíveis nevoeiros, com roncos constantes de cinco segundos, seus 11 depósitos-tanques de petróleo, que comportavam 40.000 litros de combustível, seu paiol de gasolina, suas instalações de observatório meteorológico, pavilhões de aparelhagem e de telegrafo - átrio da cisterna, capoeiras de galinhas e estendal de roupa, etc.
Assim era a vida humilde destes faroleiros, limitada pelo mar que os circundava, que tinham como seu Rossio o alto da Berlenga e que, por contingência, ali eram verdadeiros ermitas.
APONTAMENTOS DIVERSOS:
Encontra-se no Museu da Direcção-Geral dos Far6is um painel da antiga óptica de Fresnel do Farol das Berlengas que se admite ser uma das maiores do mundo ou, pelo menos, da Europa, que esteve instalada naquele farol até 1985.
Em Junho de 2001 foram, com a colaboração da Força Aérea Portuguesa, que disponibilizou um helicóptero para efectuar os seis voos necessários para o seu transporte, colocados no farol 40 painéis fotovoltaicos. Tratava-se dos painéis solares adquiridos para este farol destinados a substituir os geradores tradicionais, contribuindo assim para a preservação ambiental daquela Reserva Natural.
É de salientar que é o único dos 51 faróis existentes ao longo da costa de Portugal continental, Açores e Madeira a sinalizar terra à navegação com luz gerada por painéis solares.
Lembro aqui os tempos duros de um grupo de homens do campo (Ferrel e Atalaia) que, nos anos 50/60 e até 70, uma vez por ano abasteciam com combustível aquele Farol empurrando por todo o trajecto que vai do cais ao cimo da ilha bidões de 200 litros. Eram pagos por cada bidão que rolassem até ao destino.
Como curiosidade: Quando da visita à ilha do Dr. Oliveira Salazar, na companhia do então Ministro da Marinha Almirante Américo Tomás, a 9/7/1952, todo o pessoal que trabalhava no farol foi obrigado a fardar-se com o seu uniforme principal para receber aquelas personalidades, pois que, à última hora, Salazar fez questão em conhecê-lo, o que não estava no programa da visita.
Em Agosto de 1955 uma brigada de técnicos dos C.T.T. deslocou-se à ilha para concluir a instalação, no Farol, de um aparelho radiotelefónico. A partir de então as Berlengas passaram a dispor de ligação telefónica ao continente. Só assim foi possível, algum tempo depois, a montagem da rede telefónica servindo a Pousada de São João Baptista e o Pavilhão Mar e Sol, evitando-se, assim, que qualquer chamada telefónica implicasse uma deslocação ao Farol, o que sucedeu durante algum tempo.

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